O nosso nascimento não nos pertence, a nossa morte não nos pertence, nem mesmo as nossas palavras são nossas: tudo é representação! É isso que a obra de Artaud e, especialmente, o livro O verbo roubado nos revela e nos faz sentir. Estamos envoltos, constituídos e estabelecidos dentro de um sistema, de uma estrutura metafísica que rejeita a presença a si. Nosso vir ao mundo é captado por outros que não nós mesmos, nossa vida é um caminho de perdas sucessivas - desde nossos pensamentos traduzidos em palavras, que já existem há muito tempo, até nossos fluídos corporais que são subtraídos e expurgados por nossos orifícios - e nossa morte que já se anuncia antes mesmo que ocorra. Fomos e estamos projetados a perdas sucessivas! Para restaurar esse sistema, para quebrar o giro desta roda orquestrado pelo Grande Ladrão, Deus, seria preciso reorquestrar o giro ou antecipá-lo. Artaud busca antecipá-lo, enganar a quem nos engana, o grande orquestrador. Para isso, deveríamos começar pela supressão de uma linguagem representativa, uma linguagem que nos fez acreditar que podemos traduzir as coisas em palavras; depois, deveríamos refazer o corpo, tapando todos os nossos orifícios e retendo tudo aquilo que perdemos, que cai longe do corpo; por fim, restauraríamos todas as dicotomias criadas: as divisões entre corpo e espírito, pensamento e palavra, arte e vida, vida e natureza. Enquanto o Grande Ladrão acreditasse que nos domina, nós estaríamos antecipando a sua ação, saberíamos exatamente onde ele poderia incidir em mais uma separação e, quão logo ele a operasse, nós a suplementaríamos com uma metafísica da presença que não permitiria mais efrações. Esse conjunto de textos de Antonin Artaud, organizados por Mayara Dionizio, são relatos profundos e progressivos de como esse plano avança em sua obra. De cartas a textos teatrais, do surrealismo à sua ruptura, de Paris à Irlanda, da Irlanda ao México, do cristianismo ao peyote, do Universal à Unidade, do universalismo à diferença. Assim, Artaud, em O verbo roubado, nos conduz em uma obra em que se convoca o fim das obras-primas, do museu, do teatro representativo, da linguagem da falta para nos recolocar em contato com o fundo quente da vida que respira e nos queima.
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